quarta-feira, 24 de abril de 2013

Resolvi sepultar-te

Depois de dias e noites ao teu lado, chorando, amargando, adoecendo, resolvi dar um basta.

Cansada de ouvir suas mentiras, ver você "transitando" com outras mulheres, decidi matar-te. Sem sangue, sem corpo, sem inquérito nem manchete no jornal. Sim, a partir de hoje você está morto, com direito a lápide, velas, carpideiras. O sofrimento é grande, mas melhor gozar a viuvez do que a infelicidade desta convivência.

Os teus e os meus amigos já não sabem mais agir quando me veem cruzar a rua. Esquivam-se, escondem-se como testemunhas negligentes do adultério. Mas como adultério, se nunca fostes meu? Tranquei a nossa casa e fui passar um tempo com parentes, até a poeira baixar. Inclusive, tive o cuidado de trocar as fechaduras, para garantir que, ao voltar, não me esbarre contigo na sala de estar.

 De você só quero o que foi bom: o riso, a lágrima de felicidade, as imagens boas que deixou em minha memória, o calor do corpo, as palavras que de doces acalmaram o espírito.
Teu corpo jaz frio no sepulcro, mas ainda ouço sua voz pela casa. Que Deus me dê forças para remover tuas coisas, jogar fora o que não serve, doar o que pode ser reciclado, receber as condolências, os abraços de consolação e os votos de força e fé.
Limpar a casa, dizer aos amigos distantes que você se foi. Rasgar suas fotos, seus manuscritos. Acender uma vela por sua alma, para que os teus deuses conduzam-na para o lugar que acreditavas ir "pós-mortem".

Descanse em paz, meu amor. Amei-te na vida, e sei que estarás melhor do que eu, num plano superior, no Orum ou na floresta.

Prometo não chamar teu nome em vão, nem designa-lo para outra pessoa.

Que a morte nos separe, pois quero viver muitos anos. Evitemos uma eternidade de trovões, raios e tempestades.

Amar-te-ei enquanto o Amor e a lembrança forem presentes.